Que a lembrança de seus lábios cantando uma canção
desconhecida, de seus pés e mãos tamborilando no ritmo desta, e de seus olhos
calmamente fechados vai me assombrar pelo resto da vida eu não tenho
dúvida. Que o olhar sereno que lançou em minha direção e as palavras
expressas durante o contato visual (que em minha mente não foram contados em
segundos terrenos, aliás) ainda estão gravados em minha alma, eu sei. Que o
local em que tocou minhas costas queima até hoje me é perfeitamente claro. Que
seu simples gesto de despedida me fez esquecer subitamente quaisquer resquícios
de mágoa por amor não correspondido tornou-se claro pra mim há alguns dias.
Disso tudo eu tenho plena consciência. A única coisa que me questiono é o que
diabos o destino/acaso reserva para esse sentimento. Confesso que o silêncio
que recebo em resposta a essa questão me causa terror e deleite. Confesso que
às vezes quando a brisa suava da noite toca meu rosto, fecho meus olhos e
permito que aquelas insignificantes lembranças inundem os labirintos de minha
mente. Confesso, se me perdoa o ridículo dessa expressão, que foi amor a
primeira vista, isto é, se é que essa coisa que chamam de amor existe.
Confesso que sua imagem gravada em minha mente funciona como um patrono, que me
mantém aquecido no meio dessa multidão de dementadores que é esse monte de lixo
humano que me cerca. Confesso que não vou deixar isso passar e que, enquanto
estiver aqui dentro, não preciso de mais nada. Nada mais
importa.
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